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19 de Maio de 2024
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    Diante da lei, Franz Kafka

    Resumo conclusivo sobre o texto

    Publicado por Fred Rocha
    há 7 anos

    Por Franz Kafka (*)

    Diante da lei está um porteiro. Um homem do campo chega a esse porteiro e pede para entrar na lei. Mas o porteiro diz que agora não pode permitir-lhe a entrada. O homem do campo reflete e depois pergunta se então não pode entrar mais tarde.

    – É possível – diz o porteiro – mas agora não.

    Uma vez que a porta da lei continua como sempre aberta e o porteiro se põe de lado o homem se inclina para olhar o interior através da porta. Quando nota isso o porteiro ri e diz:

    – Se o atrai tanto, tente entrar apesar da minha proibição. Mas veja bem: eu sou poderoso. E sou apenas o último dos porteiros. De sala para sala porém existem porteiros cada um mais poderoso que o outro. Nem mesmo eu posso suportar a simples visão do terceiro.

    O homem do campo não esperava tais dificuldades: a lei deve ser acessível a todos e a qualquer hora, pensa ele; agora, no entanto, ao examinar mais de perto o porteiro, com o seu casaco de pele, o grande nariz pontudo, a longa barba tártara, rala e preta, ele decide que é melhor aguardar até receber a permissão de entrada. O porteiro lhe dá um banquinho e deixa-o sentar-se ao lado da porta.

    Ali fica sentado dias e anos. Ele faz muitas tentativas para ser admitido e cansa o porteiro com os seus pedidos. Às vezes o porteiro submete o homem a pequenos interrogatórios, pergunta-lhe a respeito da sua terra natal e de muitas outras coisas, mas são perguntas indiferentes, como as que os grandes senhores fazem, e para concluir repete-lhe sempre que ainda não pode deixá-lo entrar. O homem, que havia se equipado com muitas coisas para a viagem, emprega tudo, por mais valioso que seja, para subornar o porteiro. Com efeito, este aceita tudo, mas sempre dizendo:

    – Eu só aceito para você não julgar que deixou de fazer alguma coisa.

    Durante todos esses anos o homem observa o porteiro quase sem interrupção. Esquece os outros porteiros e este primeiro parece-lhe o único obstáculo para a entrada na lei. Nos primeiros anos amaldiçoa em voz alta e desconsiderada o acaso infeliz; mais tarde, quando envelhece, apenas resmunga consigo mesmo. Torna-se infantil e uma vez que, por estudar o porteiro anos a fio, ficou conhecendo até as pulgas da sua gola de pele, pede a estas que o ajudem a fazê-lo mudar de opinião.

    Finalmente sua vista enfraquece e ele não sabe se de fato está ficando mais escuro em torno ou se apenas os olhos o enganam. Não obstante reconhece agora no escuro um brilho que irrompe inextinguível da porta da lei. Mas já não tem mais muito tempo de vida. Antes de morrer, todas as experiências daquele tempo convergem na sua cabeça para uma pergunta que até então não havia feito ao porteiro. Faz-lhe um aceno para que se aproxime, pois não pode mais endireitar o corpo enrijecido. O porteiro precisa curvar-se profundamente até ele, já que a diferença de altura mudou muito em detrimento do homem:

    – O que é que você ainda quer saber? pergunta o porteiro. Você é insaciável.

    – Todos aspiram à lei – diz o homem. Como se explica que em tantos anos ninguém além de mim pediu para entrar?

    O porteiro percebe que o homem já está no fim e para ainda alcançar sua audição em declínio ele berra:

    – Aqui ninguém mais podia ser admitido, pois esta entrada estava destinada só a você. Agora eu vou embora e fecho-a.

    (*) O escritor tcheco Franz Kafka viveu entre 1883 e 1924); o conto “Diante da Lei” é de 1919. Do livro Um Médico Rural (Contos). São Paulo, Editora Brasiliense, 1991.

    RESUMO CONCLUSIVO

    Por Fred Rocha

    O porteiro é o controlador do acesso à lei, abstraída no texto como sendo o espaço físico que atrai a atenção do jovem camponês idealizador da sua acessibilidade para todos.

    O porteiro percebe que a lei atrai o jovem do campo e que não deveria proibi-lo de adentrar, embora, adie constantemente o acesso do camponês ao conhecimento limitado da lei. É a pouca motivação do jovem do campo que lhe priva da oportunidade certa de adentrar na lei e a sua não mobilização diante deste fato o faz curvar-se diante de seus medos aceitando sua ignorância.

    O homem é alcançado pela lei no sentido restrito desta se estabelecer como uma ordem comum. A lei não é um instrumento determinante que julga o homem com intimidação visando sua submissão, pelo contrário, ela alcança à todos simplesmente por existir pressupondo sua obediência e observância.

    Destarte, o resultado alcançado por meio do acesso à lei é único, exclusivo e determinado, bem como sua experiência, apreciada por alguns como justiça.

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    2 Comentários

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    Fred Rocha,boa tarde.
    muito boa essa publicação...mas como esse jovem do campo,muitas vezes nos sentimos
    desmotivados e incrédulos com a "justiça",pois a mesma nas inúmeras vezes se manifesta injusta
    para conosco...e nos mantemos inertes e até desacreditados para com a mesma. O que é muito ruim,pois somos dependentes da mesma. Agora te pergunto : O que fazer quando vivemos em um país
    onde os maus elementos,os maus caráter e todo tipo de transgressores se dão bem diante da lei da "justiça"? continuar lendo

    Ante o exposto, sobretudo diante da situação político-econômica vivida pelo nosso país atualmente, acredito na lei. Entendo a justiça como sendo o efeito individual que advém da lei aplicada. Por isso é contestada ou não. Levando-se em consideração esses aspectos, creio que o melhor a se fazer nesse momento é não perder a fé na lei, essa ordem do Estado mutável que precisa das transformações sociais para se reinventar. Faz se necessário que o cidadão reivindique essa mudança pelo bem comum da coletividade, mas o indivíduo contemporâneo visa interesses individuais e não costuma manifestar sua opinião se não for para ignorar a opinião alheia. Reconheço a importância dessa mudança, embora seja incapaz de motivá-la sozinho, admito ser o causador da minha desmotivação pessoal, mas não sou incrédulo na mudança do nosso país. continuar lendo